Profecias que revelam a hora do juízo - Daniel 8



As visões de Daniel são paralelas a muitas das visões relatadas por João no Apocalipse.

O conjunto dessas visões descreve em cores muito vivas o desenvolvimento da história da redenção, do grande conflito entre Cristo e as forças do mal.

Cada visão apresenta os eventos dentro de uma perspectiva histórica, numa sequência definida que conduz o observador para o tempo do fim - um tempo marcado pelo início de um juízo no Céu, o qual resultará no triunfo de Deus e na redenção final de Seu povo.

Por esta razão, os livros de Daniel e Apocalipse são altamente significativos para o povo de Deus hoje, sendo uma fonte de inspiração e encorajamento diante dos desafios que estão à nossa frente. Seu objetivo último não é a catástrofe e a destruição, mas a redenção e a restauração de tudo o que foi danificado pelo pecado.

Compreendendo Daniel 8


Esse capítulo é paralelo e complementar ao capítulo 7. Embora o quadro profético descrito seja semelhante nos dois capítulos, Daniel 8 acrescenta outras informações que reforçam o cenário e o objetivo principal das profecias. O capítulo pode ser dividido como segue:

  1. A visão de um carneiro, de um bode, do chifre pequeno e, em seguida, da purificação do santuário (versos 1 a 14).
  2. A explicação do significado do carneiro, do bode e do chifre pequeno. A purificação do santuário não é explicada, apenas ligeiramente mencionada (versos 15 a 27).

Essa visão ocorreu dois anos depois da visão de Daniel 7, ainda dentro do período babilônico.. Em breve, o reinado de Belsazar seria marcado pela queda de Babilônia nas mãos dos persas.

O carneiro e o bode


Daniel começa o relato da visão descrevendo um carneiro e um bode (versos 3 a 8). Isto é muito significativo, porque esses dois animais eram usados pelo sumo sacerdote no Dia da Expiação (Levítico 16:5)! Ao escolher estes animais como símbolos proféticos, Deus está conduzindo o leitor ao tema essencial da visão: a purificação do santuário ou juízo - o evento que dá início ao tempo do fim e que, aliás, é mencionado três vezes pelo anjo Gabriel (versos 17, 19 e 26).

Vejamos o que Daniel relata:

Então, levantei os olhos e vi, e eis que, diante do rio, estava um carneiro, o qual tinha dois chifres, e os dois chifres eram altos, mas um, mais alto do que o outro; e o mais alto subiu por último. Vi que o carneiro dava marradas para o ocidente, e para o norte, e para o sul; e nenhum dos animais lhe podia resistir; nem havia quem pudesse livrar-se do seu poder; ele, porém, fazia segundo a sua vontade e, assim, se engrandecia. (Daniel 8:3-4)

O primeiro elemento na sequência profética é um carneiro com dois chifres, símbolo da Média e da Pérsia (verso 20). A desigualdade dos chifres refere-se às diferenças de força entre os dois reinos, com o detalhe de que o mais forte subiu por último; embora os medos tivessem surgido primeiro, os persas tornaram-se os membros dominantes dessa união. Em Daniel 7, os medos e persas são simbolizados por um urso que se levanta sobre um dos seus lados (verso 5).

As "marradas" do bode indicam a extensão do império persa, cujas conquistas abarcaram um território muito maior do que Babilônia, sua predecessora. Em virtude de seu poder, nenhuma nação podia resistir diante dos persas.

Outro animal, porém, entra em cena:

Estando eu observando, eis que um bode vinha do ocidente sobre toda a terra, mas sem tocar no chão; este bode tinha um chifre notável entre os olhos; dirigiu-se ao carneiro que tinha os dois chifres, o qual eu tinha visto diante do rio; e correu contra ele com todo o seu furioso poder. Vi-o chegar perto do carneiro, e, enfurecido contra ele, o feriu e lhe quebrou os dois chifres, pois não havia força no carneiro para lhe resistir; e o bode o lançou por terra e o pisou aos pés; e não houve quem pudesse livrar o carneiro do poder dele. (Daniel 8:5 a 7)

O segundo elemento na sequência profética é um bode com um chifre notável entre os olhos, símbolo da Grécia durante o império macedônico de Alexandre o Grande, identificado como "o primeiro rei" (verso 21). O bode vinha do ocidente porque a Grécia localizava-se ao ocidente do império persa. O fato de o bode não tocar no chão ao deslocar-se revela a velocidade com que Alexandre empreendeu suas conquistas. Em Daniel 7, esse poder é representado por um leopardo com quatro asas (verso 6).

O modo como o bode investiu contra o carneiro indica como os medos e persas sucumbiram diante de Alexandre e seus exércitos; o império persa foi derrotado e completamente subvertido.

O bode se engrandeceu sobremaneira; e, na sua força, quebrou-se-lhe o grande chifre, e em seu lugar saíram quatro chifres notáveis, para os quatro cantos do céu. (Daniel 8:8)

Os quatro chifres simbolizam quatro reinos que se levantaram desse mesmo poder (verso 22). No auge de suas conquistas, o império macedônico, simbolizado na profecia pela figura do bode com um chifre notável, foi subitamente derrotado; Alexandre, que então havia se tornado o senhor do mundo, morreu precocemente, aos 32 anos, vítima de uma febre agravada por seus excessos.

Depois de sua morte, nunca houve uma autoridade central suficientemente forte que garantisse a unidade do império. Após um período de lutas exacerbadas, quatro dos principais generais de Alexandre dividiram o império entre si: Ptolomeu (Egito, Palestina e parte da Síria), Cassandro (Macedônia), Lisímaco (Trácia e grande parte da Ásia Menor) e Seleuco (parte da Ásia Menor, o norte da Síria, Mesopotâmia e o oriente).

O chifre pequeno


Depois de descrever por meio de símbolos o auge e a posterior divisão do império de Alexandre, Daniel tem sua atenção voltada para o terceiro elemento da profecia que surge em seguida:

De um dos chifres,  saiu um chifre pequeno e se tornou muito forte para o sul, para o oriente e para a terra gloriosa. Cresceu até atingir o exército dos céus; a alguns do exército e das estrelas lançou por terra e os pisou. Sim, engrandeceu-se até ao príncipe do exército; dele tirou o sacrifício diário e o lugar do seu santuário foi deitado abaixo. O exército lhe foi entregue, com o sacrifício diário, por causa das transgressões; e deitou por terra a verdade; e o que fez prosperou. (Daniel 8:9-12)

A expressão "de um dos chifres" faz parecer que o chifre pequeno saiu de um dos quatro reinos remanescentes do império de Alexandre. Na verdade, para ser fiel ao sentido original do texto e à própria história, o chifre pequeno saiu "de um dos ventos", ou seja, de um dos quatro pontos cardeais. Se o leitor lembra bem da sequência profética de Daniel 7, já sabe que o chifre pequeno representa Roma. Esse poder levantou-se do oeste. (1)

Note que o carneiro, representando os medos e persas, se engrandeceu (verso 4), e o bode, símbolo do império de Alexandre, "se engrandeceu sobremaneira" (verso 8), mas esse chifre, embora fosse pequeno, "se tornou muito forte" e cresceu muito em poder, sendo evidentemente maior que seus antecessores.

Observe, ainda, que o chifre pequeno tem duas fases de desenvolvimento bem distintas: num primeiro momento, ele cresce no sentido horizontal, geográfico ("para o sul, para o oriente e para a terra gloriosa"); e num segundo momento, ele cresce no sentido vertical ("cresceu até atingir o exército dos céus", "engrandeceu-se até ao príncipe do exército").

A primeira fase diz respeito à expansão territorial de Roma pagã, e a segunda fase, ao desenvolvimento de Roma papal. Esta última, de alguma forma, tomou para si a prerrogativa do "sacrifício diário" (no original, tamid ou "contínuo") e atreveu-se a lançar por terra a verdade. (2)

As explicações de Gabriel em Daniel 8:23 a 25 confirmam a interpretação de que o chifre pequeno representa Roma em suas fases pagã e papal, embora sua ênfase seja na fase papal:

1. É um reino de "feroz catadura" (ver Deuteronômio 28:49-51);

2. É um reino "especialista em intrigas" (ou "nação cuja língua não entenderás", conforme Deuteronômio 28:49);

3. É um reino de grande poder, "mas não por sua própria força" (Roma papal procurou reduzir o poder civil a um estado de subordinação);

4. É um reino que "causará estupendas destruições" (tanto Roma pagã como papal perseguiram o povo de Deus com o objetivo de exterminá-lo);

5. É um reino que "fará prosperar o engano" (a sutileza e o engano eram as táticas de Roma pagã e papal ao lidarem com o povo de Deus);

6. É um reino que "no seu coração se engrandecerá" (seu alvo final é engrandecer-se sobre Deus, sobre o santuário de Deus e sobre o povo de Deus, conforme Daniel 7:8, 25; 8:11);

7. É um reino que "levantar-se-á contra o Príncipe dos príncipes" (isto se cumpriu de duas maneiras: com a prisão e morte de Jesus Cristo sob o poder romano, e na pretensão de Roma papal em usurpar a prerrogativa de Cristo como nosso único Mediador).

8. É um reino que "será quebrado sem esforço de mãos humanas" (o sistema eclesiástico representado por esse poder continuará até que o Senhor mesmo intervenha por ocasião de Sua vinda).

A purificação do santuário


Até aqui, temos esta sequência em Daniel 8:

  • Média-Pérsia (carneiro).
  • Grécia (bode).
  • Roma em suas fases pagã e papal (chifre pequeno).

O que vem em seguida?

Depois, ouvi um santo que falava; e disse outro santo àquele que falava: Até quando durará a visão do sacrifício diário e da transgressão assoladora, visão na qual é entregue o santuário e o exército, a fim de serem pisados? Ele me disse: Até duas mil e trezentas tardes e manhãs; e o santuário será purificado. (Daniel 8:13-14)

O anjo Gabriel não explica esse evento, apenas o menciona:

A visão da tarde e da manhã, que foi dita, é verdadeira; tu, porém, preserva a visão, porque se refere a dias ainda mui distantes. (verso 26)

A expressão "a visão da tarde e da manhã" se refere naturalmente à purificação do santuário mencionada no verso 14, um evento que se cumpriria em "dias ainda mui distantes". Tanto na visão, como na explicação temos esta sequência na profecia:




Agora compare as duas sequências proféticas em Daniel 7 e 8:




Isto significa que a purificação do santuário em Daniel 8 corresponde ao julgamento no Céu em Daniel 7. Ambos se referem ao mesmo evento e ambos começam depois de Roma nas duas profecias!

A purificação do santuário terrestre era o dia do juízo anual, um rito solene que exigia do israelita um profundo exame de consciência diante de Deus (Levítico 23:27 e 29). Evidentemente, a profecia de Daniel 8:14 não tem em vista a purificação do santuário terrestre, pois este era "sombra das coisas que haviam de vir" (Colossenses 2:17), "figura e sombra das coisas celestes" (Hebreus 8:5), e "sombra dos bens vindouros" (Hebreus 10:1). A ênfase da profecia não é no tipo, mas no seu cumprimento em Cristo. Ele é o princípio da interpretação, e não a prefiguração.

"Tardes e manhãs" é uma expressão que nos remete aos dias da criação; tarde e manhã corresponde a um dia (Gênesis 1:5 e seguintes). Duas mil e trezentas tardes e manhãs equivalem, portanto, a dois mil e trezentos dias. O leitor deve se lembrar, porém, que um dia em profecia simbólica representa um ano (Números 14:34; Ezequiel 4:4-7).

Assim, a purificação do santuário ocorreria somente depois de dois mil e trezentos anos. Não admira a ordem do anjo a Daniel: "preserva a visão, porque se refere a dias ainda mui distantes" (verso 26)! (3)

Agora, veja: se o julgamento celestial em Daniel 7 tem início após 1798 - o ano que marca o fim do período de 1.260 anos de supremacia papal simbolizada pelo chifre pequeno (sobre isso, clique aqui) -, o mesmo acontece com relação à purificação do santuário em Daniel 8, porque ambas as profecias se referem ao mesmo evento!

Assim como Daniel 7, o capítulo 8 tem o seu foco na derradeira atividade de Cristo no santuário celestial, e não no santuário terrestre, o qual, aliás, foi destruído no 70 da era cristã.




Logo, a purificação do santuário deve começar em algum momento depois de 1798. Todavia, não temos em Daniel 8 a informação sobre quando começa o período de 2.300 anos, cujo término marca o início exato da purificação do santuário celestial. Não temos essa informação porque o anjo não explicou a Daniel essa parte culminante da profecia. Em Daniel 2, temos o sonho e a explicação; em Daniel 7, a visão e a explicação; em Daniel 8, a visão, e parte da explicação - a visão sobre a purificação do santuário não é explicada.

Temos, porém, uma pista importante: em Daniel 8, a profecia começa com a Média-Pérsia, e não com Babilônia, como em Daniel 2 e 7, embora o profeta tivesse recebido a visão ainda no período babilônico (Daniel 8:1). Isto sugere que os 2.300 anos começam durante o reinado dos persas! Daniel 9 não só confirmará essa informação, como também fornecerá a data exata do início dos 2.300 anos, e, consequentemente, do fim desse período e o início do juízo/purificação do santuário no Céu.

Notas e referências


1. Há uma tentativa de se aplicar o chifre pequeno a Antíoco IV Epifânio, um rei selêucida durante o período de 176 a 164 a.C. Sir Isaac Newton desmente essa aplicação com as seguintes palavras: "Alguns acham que esse chifre representa ANTÍOCO EPÍFANES, mas não com muito acerto. O chifre de uma besta nunca representa uma única pessoa: representa sempre um novo reino e o reino de ANTÍOCO era velho. ANTÍOCO reinou sobre um dos quatro chifres e o pequeno chifre era um quinto que tinha os próprios reis. Esse chifre era pequeno mas depois cresceu até ficar muito grande, o que não foi o caso de ANTÍOCO. É dito até que se tornou maior do que os outros, o que não aconteceu com esse monarca: seu reino era fraco e tributário dos ROMANOS, e ele não o ampliou. O chifre era um rei de olhar arrogante (...) e prosperará em suas empresas, arruinando a poderosos e ao próprio povo dos santos, isto é, que prosperava em suas práticas contra o povo eleito. Mas ANTÍOCO foi enxotado do EGITO por uma simples mensagem dos ROMANOS e logo depois derrotado e desfeiteado pelos JUDEUS. O chifre era forte graças ao poder de outro, mas ANTÍOCO agia por conta própria. O chifre se ergueu contra o Príncipe do exército dos céus, o Príncipe dos Príncipes, o que caracteriza o ANTICRISTO e não ANTÍOCO. O chifre derrubou o Santuário, coisa que ANTÍOCO não fez: ele o deixou de pé. O Santuário e o exército foram calcados aos pés durante 2.300 dias mas, nas profecias de DANIEL, os dias representam anos e, no reinado de ANTÍOCO, a profanação do Templo não durou tantos dias naturais. Deveria durar até o fim, até o extremo da indignação contra os JUDEUS e essa indignação ainda não chegara ao fim. Deveria durar enquanto o Santuário derrubado não fosse purificado: e o Santuário ainda não fora purificado." (As Profecias do Apocalipse e o Livro de Daniel: As Raízes do Código da Bíblia. São Paulo: Pensamento, 2008, p. 99 e 100).

2. O volume 4 do Comentário Bíblico Adventista (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2013), traz esta observação na página 927: "Em Daniel 8:11, tamid tem o artigo definido e, portanto, é usado como adjetivo. Além disso, se apresenta independentemente, sem um substantivo. No Talmude quando tamid é usado de forma independente, como neste caso, a palavra denota o sacrifício diário. Os tradutores das versões que acrescentaram a palavra 'sacrifício', obviamente entenderam que o holocausto diário era o tema da profecia." Henry Feyerabend, em seu livro Daniel, Verso por Verso (Tatuí, SP: CPB, 2004) comenta à página 140: "O termo [tamid] não pode ser restrito ao templo judeu. Ele simboliza muito mais do que as ofertas de sacrifícios duas vezes por dia em Jerusalém. Inclui o contínuo ministério sumo sacerdotal de Jesus Cristo em nosso favor."

3. Sobre a tentativa de explicar as 2.300 tardes e manhãs como sendo 2.300 sacrifícios da manhã e da tarde, Charles H.H. Wright escreve: "Outra interpretação, porém, foi imposta à sentença. Foi explicada a partir dos sacrifícios diários oferecidos no período da manhã e da tarde (Êxodo 29:39) para significar 2.300 sacrifícios, os quais, sendo oferecidos de manhã e à tarde, seriam realizados em 2.300 meios dias (= 1.150 dias completos). Esta explicação, no entanto, não é natural, e só foi formulada para ajustar o referido período a 'tempo, tempos e metade de um tempo' do capítulo 7. Todos os esforços, contudo, para harmonizar o período, seja de 2.300 dias ou de 1.150 dias, com qualquer época histórica precisa mencionada no livro dos Macabeus ou em Josefo provaram-se inúteis. (...) O professor Driver é justificado ao declarar: 'Parece impossível encontrar dois eventos separados por 2.300 dias (= 6 anos e 4 meses) que correspondam à descrição.'"  (Daniel and His Prophecies. London: Williams and Norgate, 1906, p. 186, 187).

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