Infalibilidade papal


A infalibilidade é uma prerrogativa de Deus. Não obstante, em sua encíclica Qui Pluribus, de 9 de novembro de 1846, Pio IX declarou:

10. (...) O próprio Deus instituiu uma viva autoridade para estabelecer e ensinar a verdade e legitimar o sentido de Sua divina revelação. Estes juízes têm autoridade infalível em todas as disputas concernentes à fé e à moral, a fim de que os fiéis não sejam agitados por todo o vento de doutrina que procede da maldade dos homens cercados de erros. E esta viva autoridade infalível é efetivada somente por meio daquela Igreja erigida por Cristo, o Senhor, sobre Pedro, o chefe de toda a Igreja, líder e pastor, cuja fé Ele prometeu nunca falhar. Esta Igreja possui uma linhagem ininterrupta de sucessão desde o próprio Pedro; esses pontífices são os legítimos herdeiros e defensores do mesmo ensino, dignidade e poder. E a Igreja é o lugar onde está Pedro, e Pedro fala pelo Romano Pontífice, vivendo todos os tempos em seus sucessores e fazendo justiça, fornecendo a verdade da fé àqueles que a procuram. As palavras divinas, portanto, significam que nesta Sé Romana está o mais bem-aventurado cargo que Pedro ocupou e detém. [1]

O Concílio Vaticano I (1869-1870) reafirmou o dogma da infalibilidade ao decretar:

Por isso Nós, apegando-nos à Tradição recebida desde o início da fé cristã, para a glória de Deus, nosso Salvador, para exaltação da religião católica, e para a salvação dos povos cristãos, com a aprovação do Sagrado Concílio, ensinamos e definimos como dogma divinamente revelado que o Romano Pontífice, quando fala ex cathedra, isto é, quando, no desempenho do ministério de pastor e doutor de todos os cristãos, define com sua suprema autoridade apostólica alguma doutrina referente à fé e à moral para toda a Igreja, em virtude da assistência divina prometida a ele na pessoa de São Pedro, goza daquela infalibilidade com a qual Cristo quis munir a sua Igreja quando define alguma doutrina sobre a fé e a moral; e que, portanto, tais declarações do Romano Pontífice são por si mesmas, e não apenas em virtude do consenso da Igreja, irreformáveis. Se, porém, alguém ousar contrariar esta nossa definição, o que Deus não permita, - seja excomungado. [2]

Um livreto intitulado A Doutrina Cristã [3] traz este breve, mas significativo diálogo:

P. Pode a Igreja errar, quando nos manda crer em alguma coisa?
R. Não; a Igreja não pode errar quando nos manda crer em alguma coisa, porque é assistida e guiada pelo Espírito Santo, e por isso é infalível.
P. O Papa também é infalível?
R. Sim; o Papa é infalível.

É evidente, porém, que a submissão à autoridade papal deve aplicar-se não somente aos decretos ex cathedra, como atesta a seguinte declaração oficial da Igreja:

25. .... Ensinando em comunhão com o Romano Pontífice, devem [os bispos] por todos ser venerados como testemunhas da verdade divina e católica. E os fiéis devem conformar-se ao parecer que o seu Bispo emite em nome de Cristo sobre matéria de fé ou costumes, aderindo a ele com reverente assentimento. Esta religiosa submissão da vontade e do entendimento é por especial razão devida ao magistério autêntico do Romano Pontífice, mesmo quando não fala ex cathedra; de maneira que o seu supremo magistério seja reverentemente reconhecido, se preste sincera adesão aos ensinamentos que dele emanam, segundo o seu sentir e vontade; estes manifestam-se sobretudo quer pela índole dos documentos, quer pelas frequentes repetições da mesma doutrina, quer pelo modo de falar.... [4]

Convém, ainda, considerar a explicação do monsenhor Joseph Clifford, da qual cito os seguintes parágrafos:

Apesar das visões divergentes sobre a existência do ensino pontifício infalível nas cartas encíclicas, há um ponto em que todos os teólogos estão manifestamente de acordo. Eles estão todos convencidos de que todos os católicos estão ligados em consciência a dar um assentimento religioso interior definitivo àquelas doutrinas que o Santo Padre ensina quando ele fala à Igreja universal de Deus na terra sem empregar seu carisma de infalibilidade dado por Deus. Assim, prescindindo da questão de saber se qualquer encíclica individual ou grupo de encíclicas pode ser considerado como contendo ensinamentos especificamente infalíveis, todos os teólogos concordam que este assentimento religioso deve receber os ensinamentos que o Soberano Pontífice inclui nestes documentos. Esse assentimento é devido, como notou Lercher, até que a Igreja escolha modificar o ensinamento anteriormente apresentado ou até que razões proporcionalmente sérias para abandonar o ensino não-infalível contido em um documento pontifício possam surgir. [59] Escusado será dizer que qualquer razão que justifique a renúncia a uma posição tomada em uma declaração pontifícia teria que ser realmente muito séria.

Pode ser definitivamente entendido, no entanto, que o dever do católico de aceitar os ensinamentos transmitidos nas encíclicas, mesmo quando o Santo Padre não propõe tais ensinamentos como parte de seu magistério infalível, não se baseia meramente nas máximas dos teólogos. A autoridade que impõe essa obrigação é a do próprio Romano Pontífice. À responsabilidade do Santo Padre de cuidar das ovelhas do rebanho de Cristo corresponde, por parte dos membros da Igreja, a obrigação básica de seguir suas instruções, tanto em questões doutrinárias como disciplinares. Neste campo, Deus deu ao Santo Padre uma espécie de infalibilidade distinta do carisma da infalibilidade doutrinária no sentido estrito. Ele construiu e ordenou a Igreja para que aqueles que seguem as diretrizes dadas a todo o reino de Deus na terra jamais sejam induzidos à ruína espiritual por meio dessa obediência. Nosso Senhor habita em Sua Igreja de tal maneira que aqueles que obedecem às diretrizes disciplinares e doutrinárias desta sociedade nunca podem estar na condição de desagradar a Deus através de sua adesão aos ensinamentos e aos mandamentos dados à Igreja universal militante. Portanto, não pode haver razão válida para desprezar nem mesmo a autoridade do ensino não infalível do vigário de Cristo na terra....

O “assentimento religioso” do qual os teólogos falam é justo com relação aos pronunciamentos doutrinais individuais das várias Congregações Romanas. É justo em bases manifestamente mais fortes com relação aos pronunciamentos doutrinários individuais não apresentados como ensinamentos infalíveis, mas estabelecidos em encíclicas papais. Mais uma vez, a obrigação é ainda mais poderosa no caso de um corpo de ensino apresentado em uma série de encíclicas.

Seria evidentemente uma falta muito séria da parte de um escritor ou professor católico neste campo, agindo por sua própria autoridade, rejeitar ou ignorar qualquer um dos notáveis pronunciamentos doutrinais do Rerum novarum ou do Quadragesimo anno, independentemente de quão antiquados são esses documentos em uma determinada localidade ou em um determinado momento. Seria, no entanto, um pecado muito mais grave, por parte de tal professor, passar por alto ou desvalorizar uma seção considerável dos ensinamentos contidos nessas encíclicas trabalhistas. Exatamente da mesma maneira e precisamente pela mesma razão, seria um sério erro transgredir qualquer pronunciamento individual destacado nas encíclicas que lidam com as relações entre Igreja e Estado, e muito pior ignorar ou desconsiderar todos os ensinamentos ou uma grande porção dos ensinamentos sobre este assunto contidos nas cartas de Pio IX e Leão XIII.

Naturalmente é possível que a Igreja venha a modificar sua posição sobre algum detalhe de ensino apresentado como matéria não-infalível em uma encíclica papal. A natureza do auctoritas providentiae doctrinalis dentro da Igreja é tal, no entanto, que esta falibilidade se estende a questões de detalhes relativamente menores ou de aplicação particular. O corpo de doutrina sobre os direitos e deveres do trabalho, sobre a Igreja e o Estado, ou sobre qualquer outro assunto tratado extensivamente em uma série de cartas papais dirigidas e normativas a toda a Igreja militante, não poderia ser radicalmente ou completamente errôneo. A segurança infalível que Cristo deseja que Seus discípulos desfrutem em Sua Igreja é totalmente incompatível com tal possibilidade....

É bastante provável que alguns dos ensinamentos estabelecidos sobre a autoridade das várias encíclicas papais sejam declarações infalíveis do Soberano Pontífice, exigindo o consentimento da fides ecclesiastica. É absolutamente certo que todos os ensinamentos contidos nesses documentos e dependentes de sua autoridade merecem pelo menos um consentimento religioso interior de todos os católicos. Portanto, não encontramos nada como uma negação direta da autoridade dessas cartas por parte dos professores católicos....

A autoridade do Santo Padre está por trás de suas próprias declarações individuais, exatamente como estas são encontradas nas encíclicas. Quando um teólogo individual se aventura a analisar essas afirmações e diz encontrar um princípio católico em que se baseia o enunciado do Santo Padre e algum modo contingente segundo o qual o Soberano Pontífice aplicou esse princípio católico em seu próprio pronunciamento, a única autoridade doutrinária eficaz é a do próprio teólogo. Segundo este método de procedimento, espera-se que o povo católico aceite tanto da encíclica como o teólogo declarou ser um verdadeiro ensinamento católico. Este ensinamento católico seria reconhecível como tal, não em razão da declaração do Santo Padre na encíclica, mas em razão de sua inclusão em outros monumentos da doutrina cristã.

É muito difícil ver onde esse processo seria interrompido. Os homens que adotassem esse curso inevitavelmente se obrigariam a tratar de todos os pronunciamentos doutrinários dos papas segundo os ensinamentos dos teólogos individuais. Os escritos de Pontífices anteriores certamente não seriam mais autoritativos do que os dos mais recentes Soberanos Pontífices. Se um homem escolhe dissecar as encíclicas do Papa Leão XIII, não há razão para que os documentos procedentes de Gelásio ou de São Leão I não sejam submetidos ao mesmo processo. Se as declarações de Pio IX não são válidas exatamente como estão, é difícil ver como as de qualquer outro Romano Pontífice seriam mais autorizadas.

Existe, evidentemente, uma tarefa definida incumbida aos teólogos individuais no processo da Igreja de transmitir os ensinamentos das encíclicas papais ao povo. O teólogo individual é obrigado e privilegiado em estudar esses documentos para chegar a uma compreensão do que o Santo Padre realmente ensina e, depois, para auxiliar na tarefa de transmitir esse corpo de verdade ao povo. É no Santo Padre, contudo, e não no teólogo individual, que permanece a autoridade doutrinal. Espera-se que o teólogo revele o conteúdo do ensino atual do papa, e não submeta esse ensinamento ao tipo de crítica que ele teria o direito de impor aos escritos de outro teólogo individual. [5]


Notas e referências


1. Pius IX. Qui Pluribus (on Faith and Religion), Encyclical promulgated on 9 November 1846. Acesso em: 22 set. 2011, 09h29min.

2. Concílio Vaticano I. Cap. IV - O Magistério Infalível do Romano Pontífice, #1839 e 1840. Montfort Associação Cultural. Acesso em: 20 out. 2011, 09h21min.

3. Doutrina Cristã. São Paulo: Edições Paulinas, 1953, p. 13.

4. Constituição Dogmática Lumen Gentium sobre a Igreja. Capítulo III. A Constituição Hierárquica da Igreja e em especial do Episcopado.

5. TheDoctrinal Authority of Papal Encyclicals, by Msgr. Joseph Clifford Fenton. Exact from the American Ecclesiastical Review, Vol. CXXI, August, 1949, p. 136-150.

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